sábado, 17 de abril de 2010

Infância e Arte ou onde se inicia a formação do artista espírita


Daniela L. Pereira Soares *


“Creio que a arte deve ser praticada para ser apreciada, e ensinada em aprendizado íntimo. Creio que o mestre não deve ser menos ativo que o aluno. Pois a arte não pode ser aprendida por preceito, por uma instrução verbal qualquer. Ela é, falando com propriedade, um contágio, e se transmite como o fogo de espírito para espírito.”. (Read, 1986, p.15)

Em 1998 tive a oportunidade de participar pela primeira vez do FECEF – Festival da Canção e Arte Espírita de Franca/SP. Não era o primeiro encontro de artes que participaria, no entanto, aquele seria o que me impressionaria mais, durante todos esses anos.
Os estudos, as oficinas, o festival, o contato com diferentes artistas, tudo fora muito significativo, mas também bastante parecido com outros encontros que já havia participado anteriormente. No entanto, o que mais me chamou a atenção foram os bastidores de toda essa ação, o que colocava toda a engrenagem em funcionamento e fazia o encontro acontecer. Ali se viam crianças e adolescentes de todas as idades participando ativamente junto com seus pais (artistas-trabalhadores) em atuações artísticas, em serviços diversos que o evento exigia, ou simplesmente participando indiretamente, pois a presença de seus familiares ali naquele local, assim o exigia.
Pensei comigo, uma criança que cresce vendo o pai, a mãe, cantando, interpretando, estudando arte, tomará isso como algo comum e naturalmente irá se engajando em alguma atividade artística desde a infância e se não se tornar um futuro artista, crescerá sob o estímulo da beleza, de uma estética que fará diferença em sua vida adulta.
Até então só conhecia grupos de teatro/música onde a maioria eram adolescentes, ou jovens iniciando a fase adulta. Mas ali, pude ver concretamente, famílias inteiras engajadas em diferentes linguagens artísticas. Foi o exemplo que mais me marcou, a imagem mais bonita que trago comigo da vivência em arte espírita até os dias de hoje.
Cito os companheiros de Franca, mas sei que existem trabalhos belíssimos realizados em outras localidades envolvendo a infância, a juventude e a maturidade em atividades conjuntas que conjugam a arte e a Doutrina Espírita, realizando com toda certeza, mais um encontro de “espíritos” com objetivos afins do que um agregado de diferentes faixas etárias para uma atividade comum.


1. Infância e Arte

“Ó espíritas! compreendei hoje o grande papel da humanidade; compreendei que quando produzis um corpo, a alma que nele se encarna vem do espaço para progredir; sabei vossos deveres e colocai todo o vosso amor em aproximar essa alma de Deus.” (O Evangelho Segundo o Espiritismo – cap. XIV – p. 193)

Indo direto ao ponto, gostaria de refletir um pouco sobre a arte, a educação e a infância na casa espírita.
Vemos anualmente surgirem vários grupos de arte espírita onde os protagonistas são jovens e adultos, inúmeras discussões em torno da qualidade técnica dos espetáculos, do público alvo, às diversas maneiras de se atingir a mídia e expandir a difusão de uma arte espiritualizada, no entanto, poucas vozes se erguem para discutir o fazer arte de qualidade para crianças, a formação e valorização de grupos de arte espírita infantis visando o preparo estético e moral dos artistas do porvir.
No Livro dos Espíritos, na questão 385, os espíritos nos chamam a atenção para a importância e a finalidade da infância:

“... os Espíritos não entram na vida corporal senão para se aperfeiçoar, se melhorar; a fraqueza da pouca idade os torna flexíveis, acessíveis aos conselhos da experiência e daqueles que os devem fazer progredir. É quando se pode reformar seu caráter e reprimir-lhes as más inclinações; tal é o dever que Deus confiou aos pais, à missão sagrada pela qual deverão responder. Por isso a infância não é somente útil, necessária, indispensável, mais ainda ela é a conseqüência natural das leis que Deus estabeleceu e que regem o Universo.”

Como a própria Doutrina Espírita nos adverte, é sobre os pais que repousa a maior responsabilidade de educação e formação integral da criança, no entanto, por que não aproveitar esse momento tão importante na vida do espírito para lançar as bases de uma arte voltada ao aprimoramento e elevação dos seres?
No Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo VIII os Espíritos nos afirmam que a partir do nascimento, as idéias, tendências e impulsos que o indivíduo traz de existências pregressas, começam a se manifestar gradualmente, de acordo com o desenvolvimento dos órgãos, o que torna plausível a afirmativa de que: “... durante os primeiros anos, o Espírito é verdadeiramente criança, porque as idéias que formam o fundo do seu caráter estão ainda adormecidas. Durante o tempo em que seus instintos dormitam, ele é mais flexível e, por isso mesmo, mais acessível às impressões que podem modificar sua natureza e fazê-lo progredir... (p.114)”
Segundo ALVES (1997: 67), as experiências por que passa nesta existência, desde os primeiros meses, e mesmo durante a gestação, as vibrações que sente, os exemplos que observa, os livros que lê, enfim, tudo o que acontece à sua volta vai influenciar a criança, positiva ou negativamente.
Dessa forma, temos na infância o período mais propício para a educação em seu sentido integral e, por conseguinte, o momento mais importante para colocar a criança diretamente sob o estímulo da beleza, do bem e do belo, “já que neste período está mais acessível às impressões que recebe e que podem ajudar o seu adiantamento, para o qual devem contribuir aqueles que estão encarregados da sua educação.” (O Livro dos Espíritos, questão 383)

2. Educação e Arte
“Educar para a arte, com arte, pela arte, é, pois, colocar o indivíduo em contato com as forças mais profundas de sua alma – é trabalhar com camadas do inconsciente, é buscar o fio condutor que nos leva à essência de cada um. (INCONTRI – Pestalozzi 2009, p.125),

Antes de iniciarmos nossas reflexões sobre educação e arte, faz se necessário definir a concepção de educação e arte que irá nortear as idéias aqui esboçadas.
Ao falarmos em educação, nos referimos à formação integral do indivíduo, que abrange os seus aspectos bio-psico-social-espiritual, ou seja, o desenvolvimento da inteligência, sentimento, vontade.
Esta idéia de educação se refere não apenas a educação formal, mas também e mais fortemente a educação ou evangelização espírita, alicerçada na Doutrina Espírita que se assenta nos aspectos – científico, filosófico e religioso maravilhosamente integrados.

“O Espiritismo deverá reformular os padrões da Educação humana...”
“... O Espiritismo confere à ação educativa – a meta espiritual. Desfazem-se os objetivos educacionais puramente terrenos, esses que pretendem fazer do homem uma pessoa bem ajustada aos padrões da sociedade vigente. Projetam-se objetivos para o infinito. Trata-se de formar homens bem ajustados às Leis de Deus – eternas e cósmicas – muito superiores e muito mais importantes ao Espírito do que as leis e os costumes humanos, passageiros e sujeitos às decepções da marcha do progresso.” (INCONTRI – Léon Denis, 1997, p.216)

Compartilhando as idéias de Alves (2000: p.24) acreditamos que o movimento de evangelização infantil não pode definir seus objetivos somente como o desenvolvimento moral do indivíduo, pois isso seria apenas parte do processo, deixando de lado a outra asa da evolução humana – a razão. Em consonância com o Espiritismo e as concepções de educação apresentadas por Walter Oliveira Alves, em seu livro Introdução ao Estudo da Pedagogia Espírita, entendemos que em “síntese, a educação tem como objetivo auxiliar a evolução do Espírito”.
Estas idéias de educação como formação integral do ser, embasadas na Pedagogia Espírita, parecem vir de encontro com o pensamento esboçado por Platão, como nos afirma SOUSA (2003):
“Esta educação holística, que parece ter sido inicialmente tentada por Pitágoras na sua escola de Crotona, terá recebido de Sócrates a perspectiva da formação através do autoconhecimento, influenciando ambos as posições platônicas de uma educação voltada para a formação da pessoa no seu todo, objetivada para sua evolução.” (SOUSA, 2003, p. 11)

Platão, afirmava ainda, a importância de uma educação artística no seu sentido mais amplo e suas idéias em relação ao estado da latência da razão no período da infância vêm na mesma direção do que afirma a Doutrina Espírita: “quando ele (espírito) é criança, é natural que os órgãos da inteligência, não estando desenvolvidos, não podem dar-lhe a intuição de um adulto. Ele tem, com efeito, a inteligência muito limitada enquanto a idade faz amadurecer sua razão...” (Livro dos Espíritos, na questão 380).

“Uma (educação artística) é a única que dá harmonia ao corpo e enobrece a alma... devemos fazer Educação com base na arte logo desde muito cedo, porque ela pode operar na infância durante o sono da razão. E quando a razão surge, a Arte terá preparado o caminho para ela. Então ela será bem vinda, como um amigo cujas feições essenciais têm sido há muito familiares.” (in Fedro)

Essa relação entre Educação e Arte, que como pudemos observar vem desde a Grécia Antiga, berço da cultura Ocidental, vem se desenvolvendo e acompanhando o avanço do pensamento de alguns teóricos da educação, da psicologia e da arte ao longo dos tempos. Dentre estes pensadores, destacamos as idéias de Herbert Read[1], cuja obra “Education Through Art (1942)”, exerceu grande influência não apenas no campo da educação artística, como da educação de forma geral. SOUSA (2003), citando Read nos diz que, retomando as idéias de Platão, de que a arte deveria ser à base de toda a educação, H. Read clarifica conceitos como os de educação e de arte, analisando a sua união indissolúvel e a sua importância em todos os níveis do desenvolvimento da pessoa.

“Quando se refere ao papel da arte na educação geral do homem, H. Read não se refere ao campo limitado do “ensino das artes” nem apenas ao campo exclusivo das artes visuo-plásticas. Ele refere-se muito nitidamente há algo muito mais vasto, a uma “educação estética” como uma educação englobando todos os modos de expressão individual: musical, dançada, dramática, plástica, verbal, literária e poética. Uma educação estética em que se realize, no seu pleno sentido, a relação harmoniosa do ser humano com o mundo exterior, para se poder chegar a construir uma personalidade integrada, ou seja, ligada a situações e a valores que obrigam o indivíduo a tomar com independência as suas próprias resoluções.” (SOUSA, citando READ 2003, p. 25)
Concordando com este pensamento, numa ótica mais contemporânea da educação, temos DUARTE (2000), afirmando que “o desenvolvimento de uma consciência estética no indivíduo tem um significado muito mais amplo do que a simples apreciação da arte. Ela compreende justamente uma atitude mais harmoniosa e equilibrada perante o mundo, em que os sentimentos, a razão e a imaginação se integram; em que os sentidos e valores dados à vida são assumidos no agir cotidiano.”
Não queremos, com os pensamentos esboçados ao longo de nosso texto, dizer que a arte não tem importância em si mesma, isso seria negar o que acreditamos e as próprias idéias trazidas pelo Espírito de Massenet em “O Espiritismo na Arte”, de Léon Denis. Mas desejamos também pensar a arte como atividade estética, o que a alia perfeitamente com a educação, sem de forma alguma ferir os conceitos de arte expressos pelas obras espíritas, mas reafirmá-los, trazendo da mesma forma, novas concepções de arte, as propostas educacionais espíritas.
Além disso, buscando apoio em estudiosos da Arte e Educação, citamos outros benefícios que a arte oferece as nossas crianças:

Eisner entende que, ao realizarem atividades artísticas, as crianças desenvolvem auto-estima e autonomia, sentimento de empatia, capacidade de simbolizar, analisar, avaliar e fazer julgamentos e um pensamento flexível; também desenvolvem o senso estético e as habilidades específicas da área artística, tornam-se capazes de expressar melhor idéias e sentimentos, passam a compreender as relações entre partes e todo e a entender que as artes são uma forma diferente de conhecer e interpretar o mundo. (Almeida, 2001, p. 14).

A Pedagogia Espírita, dentro do pensamento ALVES (2000), vai além destas assertivas, indo além dos cinco sentidos, levantando outras vivências que a arte pode oferecer a criança:
A arte é forte elemento de interação vertical, onde a alma interage com as energias espirituais superiores, propiciando a criança o desenvolvimento de seu potencial anímico e ampliando sua faixa vibratória;
Estimula a capacidade criativa, traçando ao mesmo tempo canais para sua expressão;
É uma forma de crescimento interior e desenvolvimento das potências da alma;
Representa forte elemento de estímulo a energia criadora do Espírito, que é uma das maiores forças que impulsiona a evolução;
Sensibiliza e oferece estímulo à vontade direcionada para os ideais superiores;
Pode liberar energias bloqueadas, canalizando-as para níveis superiores e estimulando essa energia a vibrar de forma superior;
Pode ser usada como terapia, liberando bloqueios, causas profundas de estados depressivos;
Propicia a vivência de estados vibratórios ou sentimentos que o intelecto apenas, por si só, não atingiria.

A arte vem ganhando espaço dentro das instituições espíritas, mas ainda há muito caminho pela frente para que ela ocupe o lugar e a importância que merece, em especial na evangelização espírita infantil. Concordando com BARBOSA (1975), pelos próprios conteúdos afetivos que mobiliza, a arte pode ser um poderoso auxiliar para o enriquecimento de outros conteúdos, em nosso caso, do ensino da Doutrina Espírita aos pequeninos, e são firmemente aceitos os objetivos relacionados com ênfase dessa função na arte-educação. No entanto, ligar a arte a outros assuntos através de mera proposição temática a torna algo secundário, desempenhando apenas papel ilustrativo ou meramente concretizador de conteúdos predominantemente intelectuais, o que a nosso ver não comporta a proposta grandiosa que a arte reserva a todo ser humano.

3. Formação do artista espírita: algumas reflexões

“Se o ser humano desde o nascimento estiver preso a um ideal, podemos calcular os novos tesouros que a ele se prenderão. A arte ideal é uma forma de prece, seu pensamento atrairá amigos invisíveis bastante elevados e para estes será fácil realçar o brilho da chama acesa anteriormente, e da alma do artista brotarão obras inspiradas pelo belo e pelo divino.”
(O Espiritismo na Arte. p. 30)

Falar da formação do artista espírita parece algo pretensioso, mas nossa proposta é apenas, lançar algumas reflexões a partir dos pensamentos já pontuadas no início deste artigo.
Como pudemos verificar, de acordo com a Codificação Kardequiana, na infância temos o período mais propício à educação do ser humano, Espírito eterno que retorna as lides terrenas para nova etapa evolutiva.
Da mesma forma, associando a arte, a educação, no sentido de formação integral do ser, temos instrumento capaz de propiciar avanço e progresso ao Espírito reencarnado, semeando desde cedo em sua alma, elementos que lhe propiciem um desenvolvimento mais harmonioso ou estimulando o desabrochar de um futuro artista, cujas tendências sejam direcionadas desde o primeiro instante à busca do bem, do belo e da perfeição em si e em suas obras. Eis um trabalho delicado nos afirma Pestalozzi, através da mediunidade de Dora Incontri, “pois é preciso alimentar essas almas que voltam, com ideais muito nobres, para que esse poder criador se torne impulso de construção e ascensão e não de perturbação e queda”. (INCONTRI – Pestalozzi, 2009, p.125)
Por que então, não intensificar ações em torno de uma educação artística voltada à criança, tendo em vista tanto sua dimensão humana, quanto sua formação enquanto futuro artista propriamente dito?

“Deixai que as crianças bebam nas fontes mais puras da Arte terrestre... Que elas possam exercitar a sua sensibilidade, ouvindo as melodias mais doces jamais feitas; olhando as cores e as luzes mais sutis já tecidas; declamando os poemas mais elevados jamais compostos; sentindo as produções mais próximas da divindade que o homem já atingiu. Fazei isso com todas elas e se não tiverdes no futuro todos os homens literalmente artistas, tê-lo-eis moralmente melhores e mais criativos.” (INCONTRI – Schiller, 1997, p. 215)

Longe de menosprezar os numerosos grupos formados por jovens e adultos, que envergam tamanha importância dentro do movimento espírita brasileiro, espargindo a mensagem espírita-cristã envolvida em ideais de beleza, harmonia e perfeição, que projetam do esforço pela própria melhoria íntima, vemos na criança a semente do amanhã.
Quantos esforços temos visto em nossos irmãos de ideal em torno da implantação da arte nas casas espíritas, como atividade séria e tão importante quanto às demais atividades. Quanto ainda há de se fazer neste sentido e como já sonhamos com um futuro envolto nas claridades advindas da música, da dança, do teatro, das artes plásticas, da literatura espiritualizadas e conduzindo os seres ao altar da perfeição e da busca de Deus.
Impossível não ver na criança o germe deste futuro, que nasce da educação e do direcionando que lhe outorgarmos hoje.
Quantas reflexões sobre o que é e como fazer arte espírita têm nos incitado a mudanças, quantas transformações nossos grupos de arte espírita tem forjado em nós mesmos através dos ideais que esposamos, da busca incessante pela vivência daquilo que propagamos com nossa arte?
Por que não acendermos essa chama nos mais pequeninos, que ainda se encontram mais flexíveis e mais propensos as impressões que lhes poderão servir de adiantamento?

“Acendei luzes de beleza aos olhos e aos ouvidos das crianças. Mostrai-lhes imagens elevadas, cantai com elas canções harmoniosas, com substância estética! Não penseis poder vos contrapor à enxurrada de lixo em vosso mundo com hinos ingênuos, com odores de incenso e com tolices moralizantes! Deveis ofertar o melhor, o elevado de um Bach, o literário das histórias bem escritas, a poesia dos poetas que souberam ser geniais e sensíveis. Mas sobretudo, tende para com as crianças o exemplo vivo da busca de beleza moral e de estatura existencial, para que possais semear em seus corações o desejo de perfeição!...” (INCONTRI – Pestalozzi, 2009, p. 121)

Longe de abranger toda a extensão que este assunto encerra, finalizamos deixando o convite para que possamos fazer mais arte voltada à criança e com a criança.
Não nos esqueçamos de que já fomos criança um dia e de que amanhã, em novo porvir, estaremos aqui de novo, a espera de braços que nos acolham e de mãos que nos conduzam a novos horizontes através da arte enobrecida que nos edifica e eleva à ascensão a que todos fomos predestinados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALMEIDA, C.M.C. Concepções e Práticas Artísticas na Escola. In: FERREIRA, S. (Org.) O Ensino das Artes : Construindo Caminhos. Campinas : Papirus, 2001, p.11-37.

ALVES, W. O. A educação do Espírito 1.ed. Araras: IDE, 1997, p. 309p.

ALVES, Walter Oliveira. Introdução ao Estudo da Pedagogia Espírita: Teoria e Prática. 1ª ed. Araras/São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 2000.

BARBOSA, A. m. Teoria e Prática da Educação Artística. 1.ed. São Paulo: Cultrix, 1975, 114p.

DUARTE, J. F. Fundamentos Estéticos da Educação. 6.ed. São Paulo: Papirus, 2000, 150p.

INCONTRI, Dora. A Educação segundo o Espiritismo. 1.ed. São Paulo: Edições FEESP, 1997

INCONTRI, Dora. Meditações J. H Pestalozzi. 1.ed. Bragança Paulista:Editora Comenius, 2009

KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo.. 284ª ed. Araras/SP: IDE, 2003.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 156ª ed. Araras/SP: IDE, 2005.

PLATÃO. A República: Livro III 1. ed. Editora Martin Claret, 2002

READ, H. E. A educação pela arte. 3.ed. São Paulo : Martins Fontes, 1958, 354p.

SOUSA, Alberto B. Educação pela arte e artes na educação: Bases Psicopedagógicas. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.

READ, Herbert, disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Herbert_Read

* Daniela L. P. Soares é graduada em Pedagogia pela UNESP – Universidade Estadual Paulista, e atualmente está terminado uma Especialização em Educação Musical e um curso de formação em Pedagogia do Movimento para o Ensino da Dança, ambos pela UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais. Foi coordenadora do Grupo Espírita de Dança Evolução de 1995 a 2004, co-fundadora do Grupo Espírita de Dança Reforma Íntima em Vitória/ES (2006/2007), é coordenadora do Grupo Espírita de Dança Iluminar em Ribeirão das Neves/MG desde Setembro de 2008. Foi idealizadora da I Mostra Espírita de Dança “ Oficina do Espírito” em 2001, que está em sua 9ª edição.
[1] Sir Herbert Edward Read (Kirkbymoorside, North Yorkshire, 4 de dezembro de 1893Malton, North Yorkshire, 12 de junho de 1968) foi um poeta anarquista e crítico de arte e de literatura britânico. Foi nomeado cavaleiro em 1953. Obteve o Prêmio Erasmo em 1966. Foi criado numa fazenda e serviu como oficial na Primeira Guerra Mundial. A infância e a guerra foram temas freqüentes nas poesias que publicou, a partir da sua estréia com Guerreiros nus, em 1919. Após a guerra, trabalhou na curadoria do Victoria and Albert Museum, em Londres. Em 1931 e 1932 lecionou na Universidade de Edimburgo. De 1933 a 1939, foi editor da revista Burlington Magazine.Crítico dos mais conceituados entre as décadas de 1930 e 1950, e expoente do movimento de educação pela arte, Herbert Read impôs-se por seu espírito democrático e humanístico, tanto no campo da estética quanto em pedagogia, sociologia e filosofia política.Escreveu mais de mil obras sobre diferentes áreas do pensamento. Entre seus ensaios, destacam-se O significado da arte (1931), A forma na poesia moderna (1932) e Educação pela arte (1943).
Recebida na lista de discussão Pedagogia Espírita, do Google.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A PEDAGOGIA ESPÍRITA

pedagogia Espírita, se vamos utilizar o termo Espírita, é aquela que reconhece a criança, o jovem, o adulto e todos nós como Espíritos imortais, filhos de Deus, dotados do "germe da perfeição", em constante processo evolutivo através das vidas sucessivas. É, pois, um Espírito reencarnado, dotado de uma bagagem milenar de experiências vividas em outras existências e que renasce para evoluir e desenvolver seu potencial interior, rumo à perfeição.

Mas não é só isso. É também aquela que revela ao educando a sua verdadeira natureza espiritual, a essência Divina que lhe vibra no íntimo da alma. É aquela que propicia ao Educando o "conhecimento de si mesmo" através da verdade Universal revelada através da Doutrina Espírita. Por isso, o conteúdo libertador da Doutrina Espírita deve fazer parte integrante do currículo de qualquer Instituição Espírita, não apenas como teoria a ser estudada, mas como verdade a ser vivenciada.

"Conhecereis a Verdade e a verdade vos libertará"

"Aquele que ouve as minhas palavras e as pratica..."

As palavras de Jesus nos mostram o roteiro seguro da evolução: conhecer a verdade e praticar o seu Evangelho, hoje renascido e ampliado nos postulados da Doutrina Espírita.

"Espíritas, amai-vos e instruí-vos"

O Espírito de Verdade, nos mostra o roteiro seguro do amor e da sabedoria.

A vivência do amor liberta o homem do egoísmo e da vaidade e verdade sobre nossa natureza espiritual liberta o homem do preconceito e do fanatismo propiciando o desenvolvimento da essência Divina que germina no coração de cada ser.

Por isso a Pedagogia Espírita é a ciência e a arte da educação, o processo através do qual se desenvolve o "germe da perfeição" no íntimo de cada um, Espíritos imortais que somos, filhos e herdeiros de Deus. É o desenvolvimento gradual e progressivo das potências da alma, através do exercício do amor e do "conhecimento de si mesmo" que faz germinar essa essência Divina e dar os frutos do amor e da sabedoria.

É o retorno do amor e da verdade Universal ao cenário pedagógico da humanidade através da coragem de expressar essa verdade sem preconceitos, sem meias verdade, como o fez Eurípedes Barsanulfo. A vivência do amor e conhecimento da verdade universal são indispensáveis ao conhecimento de si mesmo, e portanto, ao desenvolvimento das qualidades interiores da alma, das potência do Espírito.

Por isso, a Pedagogia Espírita esta presente na mente e nos corações dos educadores que enfrentam todos os preconceitos por amor à verdade, independentemente de possuir ou não o título de professor, mestre ou doutor.

Esta presente nos jovens e adultos que labutam na evangelização infanto-juvenil, que palestram nas casas Espíritas, que participam nos grupos de estudos, nas atividades assistenciais exercitando e exemplificando o amor ao próximo.

Esta presente no jovem que atua no teatro, que canta e dança fazendo da arte sublime escada de elevação do Espírito

A Casa Espírita representa hoje a Escola Espírita em toda a sua simplicidade, beleza e dinamismo espiritual, vivendo o amor e iluminando o coração e a mente das crianças, dos jovens, dos adultos e mesmo do Espírito desencarnado, pois somos todos, em essência, Espíritos em evolução.

Não podemos falar em educação, em seu profundo significado, sem o exercício do amor e sem o conhecimento de si mesmo, ou seja, sem que o educando se reconheça como Espírito imortal, filho de Deus, dotado do germe da perfeição, sujeito às leis de causa e efeito e, portanto, responsável pelos seus pensamentos e atos, a nascer e renascer num aperfeiçoamento gradual, mas contínuo, rumo à perfeição.

Da mesma forma, não existe escola espírita se não incluir em seu currículo esse conhecimento libertador da verdade espiritual de nossas vidas, dessa verdade Universal contida na Doutrina Espírita, como o fez Eurípedes Barsanulfo.

Auxiliar o Espírito com a verdade absoluta de nossa existência espiritual é nossa tarefa prioritária.

É nosso compromisso com Jesus, com Kardec, com Eurípedes e com a nossa própria consciência.

Walter Oliveira Alves


quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Infância e família na visão espírita

Escrito por Dra. Maria Júlia Pereira de Moraes

O cuidado com a saúde mental da criança é tão importante quanto o que devemos ter com a saúde física, pois tem por objetivo preparar e proteger o seu espírito para que se desenvolva e se mantenha em condições sadias e normais, nos planos físico e psico-sócio-espiritual.
Um dos princípios da Declaração dos Direitos da Criança, elaborada em Assembléia Geral das Nações Unidas, diz que “A criança, para o desabrochar harmonioso de sua personalidade, tem necessidade de amor e de compreensão, dispensados principalmente pelos pais, proporcionando-lhe atmosfera de afeição e segurança”.
O Espiritismo vem ampliar essa orientação com numerosos e bem fundamentados argumentos, conscientizando os pais de suas responsabilidades para com os filhos, especialmente na infância e adolescência, pois muitos seres que nascem em determinados lares são criaturas com as quais foram assumidos compromissos reencarnatórios de reajustes ou resgates. Daí a profunda necessidade de compreensão dos pais de que a proteção à criança não deve ser feita apenas no campo material (saúde, alimentação, educação, vestuário, habitação etc.), mas que, de igual ou maior importância é a orientação moral e espiritual, dando ao menor o apoio afetivo, a confiança, a compreensão e o equilíbrio emocional, baseados na ternura e na firmeza que só podem ser adquiridos pelo desenvolvimento de um dos mais preciosos sentimentos que enobrecem a alma humana: o amor.
Na criança, as doenças do espírito, isto é, as perturbações em seu desenvolvimento espiritual provocam grande variedade de sofrimentos corporais e psíquicos, tanto nela própria quanto em seus pais, por vê-la sofrer. Existe um processo de identificação dos pais com suas crianças, de forma que os mesmos participam de seus êxitos e fracassos, se aquecem aos reflexos de sua glória e se deprimem com suas derrotas. Vivenciam o sofrimento da criança como se fosse o seu próprio.
Assim, são freqüentes as manifestações de angústia, como birra, inapetência, tiques nervosos, agitações, alterações do sono, cólera, desobediência, medo e até distúrbios orgânicos, como cólica, sudorese noturna, vômito, prisão de ventre, diarréia, suores frios e muitos outros. “Os sofrimentos corporais, de origem psicológica, mostram que o espírito e o corpo estão intimamente unidos um ao outro”, diz o prof. Pedro de Alcântara, e, continua, “para bem assistir o corpo, é preciso bem assistir o espírito e vice-versa”.
A criança, de um modo geral, terá maior serenidade e seu desenvolvimento psicológico será tanto mais equilibrado, quanto menos estiver exposta a sofrimentos desnecessários nos seus primeiros anos de vida e quanto mais adequadamente for sendo habituada aos sofrimentos inevitáveis que a vida irá lhe impor. Entra aqui o desempenho marcante da família, principalmente dos pais, contribuindo com a sua presença carinhosa para combater a angústia de seus filhos, colaborando para a sua higiene mental, tão importante quanto as suas diversas modalidades de higiene física.
Alertando os pais para que protejam a saúde mental da criança, aqui são mencionadas as principais formas de sofrimento a que ela costuma ser submetida, às vezes inadvertidamente por inexperiência de seus progenitores, que são as seguintes...
Para não deixar o e-mail muito pesado, coloquei apenas um trecho da matéria.
Acesse o site da Revista Cristã de Espiritismo para ler este artigo na íntegra.

sábado, 11 de julho de 2009

Filosofia e Ética para crianças, uma proposta interdisciplinar


(Publicado in Videtur, Porto/São Paulo, Universidade do Porto/USP, V. 15, 2002- www.hottopos.com/videtur15/dora.htm)


Dora Incontri
Pós-doutoranda FEUSP
Apoio Fapesp

Alessandro Cesar Bigheto
Pedagogo

Filosofia é um assunto que não interessa só ao especialista porque, — por mais estranho que isto pareça — provavelmente não há homem que não filosofe; ou pelo menos, todo homem se torna filósofo em alguma circunstância da vida. (…) o importante é que todos nós filosofamos, e até parece que estamos obrigados a filosofar”. (BOCHENSKI, 1977:21)

Até agora, a Filosofia tem sido mantida distante da criança e dependendo da abordagem pedagógica e antrolopógica que fizermos, ela deveria mesmo estar afastada. O problema não é nada simples, porque para alguns, a racionalidade necessária à elaboração do pensamento filosófico ainda não estaria presente, pelo menos nas primeiras fases da infância, enquanto para outros, a capacidade de indagação, questionamento e perplexidade, e que constitui a ferramenta principal da Filosofia, se mostra com toda força e espontaneidade justamente na criança. Por exemplo, Gareth Matthews considera que a teoria piagetiana estaria em oposição a essa possibilidade:
Piaget pretende corroborar suas afirmações sobre as fases de desenvolvimento por meio da descoberta dos mesmos padrões de resposta em todas as crianças. Essa descoberta seria uma comprovação de que a reflexão das crianças realmente se desenvolve dessa maneira. A resposta incomum é desconsiderada por ser um indicador não confiável das maneiras como as crianças pensam; (…) contudo é a resposta divergente que costuma ter um interesse maior para a filosofia.” (MATTHEWS, 2001:46)

Narrando diálogos altamente sugestivos, e sempre espontâneos, em que crianças propõem perguntas e às vezes soluções filosóficas que foram as mesmas questões e propostas tratadas por grandes filósofos da história, Matthews arrisca-se a dizer que:
O adulto tem um domínio da língua superior ao da criança e pelo menos o potencial para dominar com mais segurança os conceitos expressos pela língua. Todavia, é a criança que tem olhos e ouvidos atentos para a perplexidade e a incongruência. As crianças também costumam ter um grau de franqueza e espontaneidade difícil de encontrar nos adultos.” (MATTHEWS, 2001:46)

Nas últimas décadas, o programa de Filosofia para Crianças, proposto pelo norte-americano Matthew Lipman e hoje atraindo o interesse da Unesco e da Unicef, tem mostrado a possibilidade e a necessidade de tal prática. Lipman “lançou a idéia de que as crianças podem e merecem ter acesso à Filosofia”. (KOHAN & WUENSCH, 1999: 9) Mas, ao mesmo tempo em que abriu caminho e quebrou tabus neste campo – e se fosse somente essa a sua contribuição, já seria excelente – seu programa não deixa de suscitar questionamentos mesmo entre aqueles que consideram possível e desejável introduzir a Filosofia entre as crianças.
Nenhum ato pedagógico pode se dar sem uma finalidade ética. Muito menos a Filosofia poderia estar divorciada disso. A Ética, sendo uma necessidade existencial e social para os seres humanos de todos os tempos e igualmente um ramo da Filosofia, que estuda esta necessidade e propõe seus princípios, tem sido objeto de propostas curriculares (vejam-se os PCN, com seus temas tranversais) e de estudos e experiências pedagógicas.
Para Lipman, o próprio desenvolvimento de uma Comunidade de Investigação, dentro de seu método de filosofar com as crianças, é uma proposta ética, desenvolvendo a capacidade de cooperação e interlocução tolerante entre os membros desta comunidade. E mesmo fora do contexto das idéias lipmanianas, a interdisciplinaridade, que hoje se reconhece como necessária para novos processos educacionais, permite as pontes entre Ética e Filosofia, já naturalmente aparentadas.
O método de Lipman, porém, tem enfrentado algumas críticas procedentes, (ver, por exemplo, SILVEIRA, 2001) por se tratar de uma proposta embebida no pragmatismo norte-americano, com pouca relação com a nossa realidade, e por estar enraizada em uma determinada concepção de mundo, mas pretender-se neutra do ponto de vista teórico. O professor Samuel Skolnikov, da Universidade Hebraica de Jerusalém, põe em questão a própria Ética que se pretende embutir na Comunidade de Investigação. A seu ver, isso descaracteriza o pensamento filosófico genuíno e submete o indivíduo à coletividade: “o pensamento individual não deriva da comunidade, ele pode ser ocasionado ou estimulado pela comunidade, mas é essencialmente diferente de uma investigação conjunta.” (SKOLNIKOV, 2000:94)
Outra objeção feita a Lipman, a nosso ver bem mais séria, é que seu método conduziria a um relativismo. Eis uma questão delicada, pois um dos perigos em que pode incorrer a Filosofia para crianças é o de tornar-se uma doutrinação, para a qual elas não teriam defesa. Como escapar do autoritarismo ideológico, sem cair na relativização exagerada, que leva ao ceticismo? O objetivo do programa Lipman é o desenvolvimento de “habilidades de pensamento” e, nesse desenvolvimento, pensa ela resolver essa contradição. Comenta, porém, Silveira:
Ora, ‘avaliar evidências’, ‘detectar incoerências e incompatibilidades’, ‘tirar conclusões válidas’, ‘construir hipóteses’, ‘empregar critérios’, são todos procedimentos lógicos. (…) A saída proposta por Lipman para o seu dilema entre relativismo e absolutismo é infrutífera, pois, ao fiar-se nas ferramentas da lógica para solucioná-lo, acaba por deslocá-lo do âmbito epistemológico para o estritamente lógico e metodológico. A discussão, no entanto, deve ser posta em termos de verdade e não apenas de validade ou coerência. Como, porém, a lógica não se ocupa da verdade, o dilema permanece insolúvel.” (SILVEIRA, 2001: 168,173)

No caso da Ética, o relativismo (com a abolição de critérios e possibilidade de verdade) pode levar a um indiferentismo moral, que seria o avesso de qualquer educação e, ao mesmo tempo, pode se caracterizar também como uma doutrinação – a doutrina do niilismo pode ser tão dogmática quanto qualquer outra doutrina. (Com isso se vê que o risco de doutrinação está sempre presente, mas se não o enfrentarmos com honestidade, nem poderíamos fazer educação).
Nesse sentido, temos desenvolvido um trabalho de Filosofia e Ética para crianças, que, em primeiro lugar, leva em conta as especificidades da cultura e dos costumes do povo brasileiro, com sua grande capacidade afetiva, sua criatividade e sua religiosidade. Essa inserção em nossa cultura está (por acaso ou não) perfeitamente de acordo com o considerar-se o ser humano, como um ser integral, dentro da visão pedagógica dos grandes clássicos da Educação, tais como Comenius, Rousseau e Pestalozzi. Por isso não poderíamos dissociar jamais a Filosofia de outras áreas do conhecimento, encurralando-a apenas num jogo de lógica formal, mas fazê-la sempre interdisciplinar, voltada para a formação ética e geradora de atitudes concretas.
A criança é sim capaz do ato de filosofar, pois com Comenius, achamos que
Não é necessário introduzir nada no homem a partir do exterior, mas apenas fazer germinar e desenvolver as coisas das quais ele contêm o gérmen e fazer-lhe ver qual a sua natureza. Por isso, Pitágoras preocupava-se em dizer que era tão natural ao homem saber tudo que, se fossem apresentadas com jeito a um menino de sete anos todas as questões de toda a filosofia, com certeza responderia a todas com segurança”. (COMENIUS, 1999:118)

Assim, qualquer idéia de Filosofia para crianças tem de se basear numa concepção otimista de que o ser humano já traz em si as potencialidades de reflexão crítica e aplicação prática das virtudes morais e basta desenvolvê-las com uma orientação pedagógica adequada. Esse pressuposto anula tanto a possibilidade de doutrinação – pois não se quer impor algo de fora, mas extrair algo de dentro – quanto o relativismo, porque esse não é natural entre as crianças, o que poderia evidenciar (excelente objeto para outro estudo) a natureza imanente de certas verdades morais.
A orientação pedagógica de tal projeto não deve lançar a criança numa esfera distante, pois que, “o filósofo não se afasta de modo algum da realidade cotidiana, mas sim das interpretações e valorações cotidianas do mundo(…)” (LAUAND, 1988:68) Compreenda-se assim que uma proposta de Filosofia para Crianças não pode ter uma receita pronta, apostilada (é essa uma das críticas feitas ao método de Lipman), pois trata-se também de partir do interesse, da realidade e do contexto dos alunos.
Além disso, considerando-se a criança como um ser integral, dentro da concepção de Pestalozzi de que a Educação deve se dirigir às mãos, cabeça e coração, (simbolizando a ação concreta, a racionalidade e o sentimento) uma prática pedagógica envolvendo Filosofia e Ética não pode ser apenas algo dirigido à razão. Deve ter raízes na afetividade e na estética, o que é bem mais fácil de se operacionalizar em nossa cultura, pouco afeita à lógica formal de um Lipman, mas bastante sensível ao estímulo afetivo e estético. Nesse sentido, podem ser usados textos poéticos, músicas, vídeos, histórias, peças de teatro para desencadear um processo de reflexão e estimular sentimentos morais. Segundo Rousseau, aliás, o fazer moral baseia-se em sentimentos e não apenas em princípios racionalizados. Diz ele que: “nossa sensibilidade é incontestavelmente anterior à nossa inteligência, e tivemos sentimentos antes de termos idéias.” (ROUSSEAU, 1969:600)
Outro aspecto da proposta é que dentro dos princípios que vêm se desenvolvendo desde Rousseau, passando por Pestalozzi e chegando mesmo a Piaget, todo aprendizado deve ser ativo, e isso igualmente no campo moral: “é fazendo o bem que alguém se torna bom”. (ROUSSEAU, 1969:543). Vejamos o que diz Piaget a esse respeito:
A ‘escola ativa’ baseia-se na idéia de que as matérias a serem ensinadas à criança não devem ser impostas de fora, mas redescobertas pela criança por meio de uma verdadeira investigação e de uma atividade espontânea. ‘Atividade’ se opõe, assim, à receptividade. A educação moral ativa supõe, conseqüentemente, que a criança possa fazer experiências morais e que a escola constitui um meio próprio para tais experiências”. (PIAGET, 1999:20)

Por isso, toda proposta de reflexão filosófica e estímulo ético devem necessariamente desembocar em algum tipo de ação concreta, seja pela produção de textos, quadros, canções, teatro, seja por um engajamento dos alunos em trabalhos solidários, campanhas, formação de grupos de trabalho dentro da escola e fora dela.

Experiências práticas

Anos atrás, na década de 90, realizamos tal proposta numa escola particular em São Paulo, (Colégio Nova Era) e atualmente cada um de nós a está aplicando separadamente numa escola particular em Jundiaí, Escola Jean Piaget, e numa escola pública em Bragança Paulista, Escola Jorge Tibiriçá.[1] (Os dois projetos têm apenas um semestre, devem portanto se desdobrar ainda em muitas outras propostas.)
Entre os objetivos propostos em nosso trabalho estão:
• Despertar o espírito crítico-filosófico, estimulando o debate e o raciocínio;
• Aumentar o horizonte cultural das crianças, trazendo informações que geralmente não são tratadas na escola;
• Integrar o trabalho cultural com o aspecto ético, despertando valores universais, como fraternidade, justiça, solidariedade, não-violência etc;
• Incentivar a participação ativa de todos os alunos, estimulando um ambiente democrático na escola;
• Trazer elementos da Arte-Educação, como ganchos culturais e também como estímulo à produção dos alunos;
• Conectar valores universais com as diferentes formas de fé religiosa, numa abordagem ecumênica.
Para exemplificar os procedimentos adotados, narramos aqui dois projetos paralelos com alunos de primeira a quarta séries, na Escola Jean Piaget de Jundiaí e na Escola Jorge Tibiriçá em Bragança Paulista.

Relato da experiência da Jean Piaget

Na primeira fase, fiz um trabalho de sensibilização para Ética, já introduzindo um ínicio de reflexão crítica a respeito dos grandes temas da virtude, mas não como abstrações. Os debates partiram de situações concretas da vida, ou de histórias que provocaram um questionamento dos comportamentos das crianças diante da vida. Nenhuma das nossas reflexões seja sobre Ética ou Filosofia ficaram sem um paralelo com a realidade das crianças.
No primeiro bimestre iniciei o meu trabalho com o tema da Grécia, pois foi lá que nasceram a Filosofia e a Ética, como matérias específicas. Estudamos alguns aspectos da cultura grega: a arte, a arquitetura, os jogos, a mitologia, a religião. Esses aspectos foram abordados de maneira simples, para a compreensão das crianças. Ilustrei essas aulas com diversos livros que tinham imagens da Grécia. Mostrei também dois CD-roms com obras gregas, fizemos jogos que estavam nos CD’s a respeito dessas obras, localizamos a Grécia no mapa. Como encerramento desse trabalho, produzimos cartazes com colagens de revista, sobre o que é uma ação ética e o que não é. Em primeiro, discutimos o nascimento da Ética e depois analisamos como ela deve ser usada na vida.
Após o término desse tema, iniciamos com a virtude da polidez, contei a história do “por favor”, do Livro das Virtudes. Em seguida, discutimos e realizamos um teatro com as palavras mágicas: por favor, obrigado, dá-licença. Depois, lemos e discutimos uma história divertida sobre a virtude dos meninos e criamos uma versão para a virtude das meninas. E fizemos para encerrar esse tema mais duas atividades: um cartaz escrito com essas virtudes e uma auto-análise em forma de pintura, sobre quais são as minhas ações éticas e quais não são.
No segundo bimestre, com as primeiras e segundas séries, a virtude tratada foi a coragem. Narrei uma história do Hércules do livro de Monteiro Lobato Os doze trabalhos de Hércules. Depois, contei uma história do Livro das Virtudes, também sobre Hércules. As duas abordavam o caráter da força nos feitos do herói. Ilustrei as aulas, passando um desenho sobre o personagem, chamando a atenção dos alunos para identificar quais aspectos de sua coragem. Em seguida, estudamos a coragem da não-violência, ou como chamamos, a coragem do amor. Utilizei a história de Sócrates, com enfoque nos seus feitos pela justiça e verdade. A partir daí, discutimos as diferentes formas de coragem: “a coragem dos fortes” e “a coragem do amor”. Depois, analisamos as situações em que é preciso ter coragem no dia a dia e qual delas nós usamos.
Como encerramento desse tema, cada classe produziu uma história coletiva e desenhos. Reunimos esse material e fizemos um pequeno livro.
Nas terceiras e quartas séries, no segundo bimestre, desenvolvi o tema “vida após a morte”, escolhido pelas próprias crianças. É certo que esse tema tem dificuldades por ser abordado por diversas religiões de modo diferente. Mas nós o enfocamos à luz da Filosofia, mostrando quais as posições existentes sobre o assunto. Em geral, as pessoas temem falar da morte, pois em nossa cultura, pela falta de tradição filosófica, ela está mitificada, e não podemos conversar sobre isso. Mesmo assim, o tema desperta interesse e curiosidade em crianças, jovens e adultos. Não podemos renegar o aspecto espiritual do ser humano, presente em todos os povos e em todas as culturas, e sem dúvida com muita enfâse na cultura brasileira.
Feitas as primeiras discussões, contei a história de Sócrates e comentei sobre Pitágoras, dois dos maiores filósofos de todos os tempos. A dedicação de Sócrates à educação ética e filósofica de todos e o seu empenho pela Filosofia são um dos mais importantes testemunhos históricos pelo bem, pela verdade e pela justiça que a humanidade já viu. Tanto assim, que muitos filósofos e historiadores estabeleceram comparações da sua importância com a de Jesus. Procurei mostrar nos seus feitos, além de sua posição de crítica, também a de bondade e amor diante de um mundo que aos poucos perde esses valores e esquece a sua dimensão espiritual. E nada melhor do que resgatá-los nessa figura, que foi um dos filósofos que mais enfatizou esse aspectos.
Realizei diversas discussões com os alunos sobre os seus feitos, sobre a sua postura espiritualista diante da morte, deixando claro nos seus ensinamentos sua crença numa vida após morte. Narrei a sua história, falando que foi considerado o mais sábio dos gregos pelo Oráculo de Delfos e acusado de corromper a juventude pelos políticos do seu tempo. Não aceitavam as ações socráticas da luta contra a injustiça e a maldade e a sua defesa de que a principal função do filósofo é ensinar aos homens a nortearem suas vidas pela verdade e pela ética. No cárcere, não aceita a fuga, pois fugindo renegaria tudo que havia ensinado e vivenciado a vida toda. A partir daí, falamos das duas principais correntes que abordam esse tema: os materialistas que acreditam que a vida se resume à matéria e os espiritualistas, que aceitam a sobrevivência da alma e ainda comentei sobre os céticos que não sabem se existe ou não e ficam na dúvida. Estabelecemos comparações entre a época de Sócrates, da Grécia e sua cultura com os dias atuais, falamos da grande falta de Ética que temos hoje em dia. E chegamos à conclusão de que ainda precisamos nos inspirar em Sócrates na luta por um mundo mais justo, mas feliz, em que a bondade , a sabedoria e o amor reinem nas relacões humanas.
Seguem-se três textos da produção coletiva das crianças:
Existem dois tipos de coragem. A coragem do amor, usada pelo Sócrates e a coragem da força, usada pelo Hércules. A coragem da força, às vezes, pode ser usada para o mal, como na guerra. Mas a coragem do amor nunca pode ser usada para o mal.
Nós, as crianças, nos achamos corajosas porque ajudamos as pessoas. Algumas vezes usamos a coragem da força quando ajudamos os pais a limpar ou empurrar alguma coisa, ou quando alguém bate num amigo ou o defende. E usamos a coragem do amor quando ajudamos as pessoas, cuidamos dos irmãos, dos nossos familiares: pais, avós...
” (1ª série)

Sócrates em sua vida usou muito a coragem do amor para ajudar as pessoas a viverem de modo ético. Dava aulas nas praças para todos. Na Grécia nem todo mundo podia estudar, mas ele ensinava a todos com amor.
Nós também usamos a coragem do amor na vida para dar carinho para os pais, para cuidar dos nossos irmãos menores, para ajudar a todos os familiares. Ajudamos na escola os nossos amigos e professores e também as empregadas.
A coragem da força usamos para ajudar a carregar as coisas, o pai arrumar o carro e algumas vezes para brigar.
Somos corajosos porque ajudamos todo mundo.
” (2ª série)

Pitágoras inventou a Filosofia e Sócrates a Ética. Os dois acreditavam que os homens não são só corpo, mas todos têm um espírito que vive depois da morte. Eles eram espiritualistas. Sócrates ensinava a todos a pensar, a serem bons e a acreditarem na alma imortal. Sócrates e Pitágoras ensinaram a vida toda as pessoas a serem justas, a lutarem pela verdade, a viverem bondosamente.
Lá na Grécia, na época de Sócrates, as mulheres e os escravos não podiam estudar, só estudava quem era rico. Mas ele dava aulas a todos.
Mas nem todos os filósofos são espiritualistas, alguns são materialistas, acham que o espírito não existe. Para eles, quando as pessoas morrem, tudo acaba, e a vida não continua.
Acreditamos na vida pós-morte do mesmo jeito que Pitágoras e Sócrates, o maior filósofo de todos os tempos. Acreditamos por causa da filosofia e também da religião.
” (4ª série)


Relato da experiência da Jorge Tibiriçá

Comecei por introduzir o cenário da Grécia Antiga, falando de algumas “invenções gregas”: a democracia, as Olimpíadas, a Filosofia. A partir do conhecimento das próprias crianças, definimos a democracia e estabelecemos paralelos (semelhanças e diferenças) entre a democracia grega e a brasileira (atual) em relação à participação das mulheres, à existência de escravos e a promessas não cumpridas (a demagogia). Narrei a história de Pitágoras e a invenção da palavra Filosofia, como amizade da sabedoria. Tudo isso muito ilustrado por livros, pinturas, desenhos e de forma lúdica e interessante, começando todas as aulas com músicas para todos cantarem juntos.
Lancei o desafio nas salas, para que me dissessem se existe o bem e o mal e o que seria um e outro e que em seguida contaria a história de um dos maiores filófosos de todos os tempos, também grego, que tinha se preocupado em se perguntar sobre isso. Colhi idéias como “o bem é praticar boas ações”, ”ajudar os outros”, “ser honesto”, “tudo o que é bom para o ser humano”, “tudo que faz a humanidade feliz”.
A primeira constatação feita já em outras ocasiões, e mais uma vez confirmada, é que o relativismo anda distante de qualquer mente infantil. Não há criança que não esteja convicta da existência de “bem e mal”, “verdade e mentira”, “certo e errado”. Mesmo contando a história dos sofistas, que diziam não haver essas dicotomias, elas não perdem essa convicção, que precisa até se tornar menos maniqueísta.
A história de Sócrates ganha contornos heróicos para as crianças – e não se poderia querer contar uma história como essa de maneira fria e intelectualista, mas é claro que quem contar dessa maneira como contei precisa ter como eu, sincera admiração por essa figura, aliás precisa ter a convicção que houve e há homens e mulheres na humanidade que podem inspirar admiração e conquistar adesões. Sócrates aparece como o herói que teve a coragem e a serenidade de enfrentar a morte por causa de suas idéias, que eram contrárias às dos sofistas da época, relativistas e céticos, idéias que favoreciam a corrupação política, a dominação e a injustiça. Foi o filósofo que se interessou em discutir o que é a virtude, o bem, a justiça e também viveu esses valores.
Poderia parecer sem interesse para crianças de nove ou dez anos uma história que não tenha fantasias, mitologias e contos de fada, mas apenas a realidade histórica, embora contada de forma entusiasta e vibrante. Ao contrário, as crianças em sua generalidade vibram com Sócrates, interessam-se, perguntam e fazem referências a ele meses e meses depois de encerrado o tema.
O momento da defesa de Sócrates diante do tribunal, sua recusa de fuga, sua serenidade diante da morte, suas últimas palavras – tudo isso deixa as crianças sem respirar, provocando emoção e olhos brilhantes.
Depois desta parte narrativa e das discussões em torno do tema, passei um trecho do filme Fantasia de Walt Disney, passado no Monte Olimpo, com a trilha sonora da 6ª Sinfonia (Pastoral) de Beethoven. Identificamos no desenho, os personagens mitológicos e estebelecemos comparações entre a visão de mundo dos gregos e a nossa (politeísta e monoteísta).
Como encerramento deste projeto, várias aulas foram dedicadas à confecção de pinturas inspiradas na Arte Grega. Com a colaboração de Liliam Lungarezi, graduanda em Arte Visuais pela PUC-Campinas, mostramos diversas figuras da Arte da Grécia Antiga (vasos, esculturas, arquitetura) e propusemos trabalhos em grupo (para estimular a cooperação e observar o comportamento dos alunos nas relações de equipe). O resultado foi brilhante, com o uso de carvão e giz de cera.
O trabalho em equipe em liberdade, apenas com orientação minha e de Liliam, foi revelador, mostrando a dificuldade de cooperação de alguns grupos, a falta de hábito de discutir para realizar algo, a tendência ao melindre e ao personalismo. Mas tendo se manifestado esses comportamentos, puderam ser trabalhados adequadamente e, com sucesso, acabando-se as atividades com as classes mostrando umas às outras suas produções.
Esse projeto durou quase o semestre inteiro, já que o apliquei, na maior parte do tempo sozinha, em dez classes (com média de 30 alunos), de terceira e quarta série.

Bibliografia:
BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do Pensamento filosófico. São Paulo, EPU, 1977.
COVELLO, Sergio C. Comenius – A construção da Pedagogia. São Paulo, Editora Comenius, 1999.
INCONTRI, Dora. Pestalozzi – Educação e Ética. São Paulo, Editora Scipione, 1997.
KOHAN, Walter O. & KENNEDY, David. (Org.) Filosofia e Infância, possibilidades de um encontro. Vol. 3 Petropolis, Vozes, 2000.
KOHAN, Walter O. & WAKSMAN, Vera (Org.) Filosofia para crianças, na prática escolar. Vol. II. Petrópoles, Vozes, 1998
KOHAN, Walter O. & WUENSCH, ANA M.(Org.) Filosofia para crianças. Vol. I. Petrópoles, Vozes, 1998
KOHAN, Walter O. LEAL, Bernardina. (org.) Filosofia para Criança em Debate. Vol. 4 Petrópolis, Vozes, 2000.
LAUAND, Luiz J. Filosofia, Educação e Arte. São Paulo, Edições IAMC, 1988.
MATTHEWS, Gareth B. A Filosofia e a Criança. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
PIAGET, Jean. Os procedimentos da Educação Moral. In MACEDO, Lino de (Org.). Cinco Estudos de Educação Moral. SãoPaulo, Casa do Psicólogo,1996.
ROUSSEAU, J. J Œuvre complètes. Vol. IV. Paris, Éditions Gallimard, 1969.
SCOLNICOV, Samuel. A problemática comunidade de investigação: Sócrates e Kant sobre Lipman e Dewey. (In: KOHAN, Walter O. LEAL, Bernardina. (org.) Filosofia para Criança em Debate. Vol. 4 Petrópolis, Vozes, 2000).
SILVEIRA, Renê J. T. A Filosofia vai à escola? Campinas, Autores Associados, 2001.


[1] A experiência da Jean Piaget está sendo conduzida por Alessandro Cesar Bigheto, com a matéria “Ética e Filosofia” ministrada para pré-escola e ensino fundamental de primeira a quarta séries e a da Escola Jorge Tibiriçá, por Dora Incontri, dentro do projeto de pesquisa de pós-doutoramento na FEUSP, “Ética, Filosofia, Religião e Arte – um projeto interdisciplinar em escola pública”, com apoio da Fapesp.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Menino triste

Esse dia tão especial - histórico e significativo - não poderia passar em branco... posto o poema Menino Triste, de Dora Incontri, numa homenagem à data que marca o fim da Escravidão em nosso país:



Menino Triste



Que queres, menino triste?


que me páras no farol?


Que sonho escuro que viste,


Pois teus olhos não têm sol?





Tua madrasta é a rua,


com seu cimento gelado.


E de noite, nem a lua


te dá um olhar de trocado…





Quem te largou neste mundo,


para catares esmola?


Se roubas, és vagabundo…


Mas quem te roubou a escola?





E quem te arrancou da mão


um brinquedo e uma esperança?


Quem te tirou, sem perdão,


o direito a ser criança?





Tua escola é a calçada,


que freqüentas todo em trapos.


Se o dia não rende nada,


logo apanhas uns sopapos.





Menino, no olhar me imploras


muito mais do que um favor.


Querias que tuas horas


fossem preenchidas de amor!





Mas o que vês são os carros!


Passam depressa, sem dó.


Os sorrisos te são raros.


O Brasil te deixa só.





Minha poesia já chora:


os meninos são milhões.


Será que o povo de agora


perdeu os seus corações?





Vá correndo, minha Musa


pedir ao homem tão duro,


que das riquezas abusa,


que reparta seu futuro!





Poderá haver perdão,


dizei-me vós, Senhor Deus,


para a megera nação


que assim trata os filhos seus?





E a Musa conclama alto,


com resquícios de esperança:


Brasil, não jogues no asfalto


A alma de uma criança!





Dora Incontri (Todos os Jeitos de Crer)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Novo modelo de ensino

Soube do Colégio Amorim Lima ontem, assistindo a programa do canal Futura. Fiquei impressionado com o que vi. Acho que tem tudo a ver com a proposta da pedagogia espírita. Sua inspiração na Escola da Ponte é sinal forte dessa relação, haja vista a grande admiração que Dora Incontri tem pelo trabalho de José Pacheco (ver programas gravados na Rádio Boa Nova e site http://www.pedagogiaespirita.org.br/). A seguir, reportagem sobre essa maravilhosa experiência pedagógica brasileira:


Setor 3 - 11 de agosto de 2006


Projeto em escola pública demonstra que ensinar pode ser diferente


Juliana Rocha Barroso e Roberta Santana


Os muros que dividiam o espaço em salas foram derrubados. Crianças de sete a 14 anos, juntas nestes grandes salões e espalhadas por todos os outros cantos, auxiliam umas às outras no desafio de atingirem objetivos que elas mesmas escolheram. Um mundo de descobertas que elas têm que desvendar. E gostam assim. Sem sinal. Aulas expositivas, só quando realmente necessário. Esta é a descrição de uma escola. E o mais incrível: brasileira e pública. Ela nasceu há dois anos, apesar de completar seu qüinqüênio este ano. "É como quando a gente aprende um jogo novo. Com o tempo, a gente pega o jeito", explica o aluno da 5ª série, Natan, que, como muitos outros passou pela transição. Acompanhado da tutora, Terezinha Maria da Silva, Natan, Nicolas e Sabrina, os três com 11 anos, nos conduziram a este universo, em que todos são aprendizes e nos contaram o que tem de diferente na sua escola.

Tudo começou há oito anos quando o conselho de escola, sempre atuante da EMEF Desembargador Amorim Lima - zona Oeste de São Paulo -, questionou problemas que considerava sérios e que refletiam diretamente no desempenho dos alunos. As mudanças foram sendo construídas na perspectiva da participação, a comunidade foi se interando da escola e dando conta do que queria como educação, o que achava importante para seus filhos. Um dos problemas era o recreio. Apenas quatro funcionários, em um percurso das 8h às 23h, acumulavam funções como fazer a merenda, limpar a escola e acompanhar o recreio. As crianças se machucavam, tinha muita briga. A proposta foi que as mães ajudassem neste horário. "Na medida em que as mães começam a olhar a escola, começam a ver um monte de coisas, que levaram para o conselho de escola de outro jeito. Foi um momento muito difícil dentro da escola, porque a comunidade via questões que a escola de fato não dava conta e ela queria resultados imediatos", conta Ana Elisa Siqueira, diretora do Amorim há quase dez anos.

Outro problema: a freqüente falta de professores. Algumas crianças entravam às 8h e saiam ao 12h, sem ter tido aula nenhuma. Quando o problema ia para o Conselho, a escola falava da indisciplina dos alunos, e os pais traziam as faltas dos professores. "Como que a gente resolve esta confusão? Os professores que vinham pegavam meninos que durante o dia tiveram muito de tempo livre. Isso cria uma indisciplina muito grande", conta. Este círculo vicioso levou ao questionamento dos pais em relação ao projeto político pedagógico da escola. "Eles perguntavam: quem tem desrespeito com quem? A indisciplina é de quem?", relembra Ana. Ela conta que um grupo menor com representatividade de todos os segmentos começou a estudar os problemas. A primeira coisa que fizeram foi mapear as ausências dos professores. Com isso, descobriu-se uma grande quantidade de faltas, não de todos os professores, mas de alguns de áreas do conhecimento fundamentais, por exemplo, Língua Portuguesa.Existia uma descontinuidade de trabalho. Os pais queriam entender como era regida a coisa pública. Depois, pediram que a diretora trabalhasse um pouco as questões legais. O direito, o dever do professor. Estudaram a Lei 8989, que rege o funcionalismo público, trabalharam o regimento das escolas municipais e também fizeram um trabalho em cima do estatuto do magistério. "A partir deste estudo, os pais começaram a não mais olhar o projeto político pedagógico apenas em relação ao que eu dizia. Eles queriam que eu apontasse como a gente ia fazer de fato tudo que estava naquele documento", conta Ana. Ela lembra ainda que a grande discussão no momento era que determinados alunos atrapalhavam a sala de aula e por isso tinham que sair da escola. "Cheguei ao ponto de dizer que negociaria tudo o que eles quisessem, menos tirar aluno."O que fazer com todo este cenário? Segundo Ana, na época, a perspectiva era de tentar construir um projeto coletivo. Com a verba do Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional (FNDE), a escola decidiu aplicar na formação da equipe escolar. Durante dois anos (1998 e 1999), trabalhou com o Instituto Pichon Rivière, que tem como proposta a formação contínua de profissionais interessados em propiciar um diálogo criativo, crítico e democrático, gerador de mudanças nas pessoas e nos grupos. Mas o que é grupo, como se forma? "Às vezes os mais bonzinhos também acobertam o problema da sala. É uma dinâmica que se estabelece no grupo que permite que determinadas coisas aconteçam e outras não. O trabalho com o Instituto começou desde o agente escolar – a pessoa que limpa a escola – até o diretor", ressalta.Depois do Pichon, a escola trabalhou com o Vereda, que segue a proposta do educador Paulo Freire, também contratado a partir da pequena verba. "Fazíamos umas entradas com grupos de educadores, depois com educadores, alunos e pais, às vezes só educadores e pais", explica. Já com a Práxis, assessoria educacional, o grupo do Amorim assistiu a um vídeo da Escola da Ponte, experiência educacional portuguesa de 30 anos. "Ficamos encantados com a apresentação do aluno e de como ele era dono do processo da sua aprendizagem. Como dizia que conseguia aprender, e sabia o que ele sabia e o que ele não sabia e o que precisava aprender para mudar de objetivo", diz Ana. Ela lembra que o conselho de escola ficou entusiasmado com a possibilidade de construir um projeto que tivesse essa perspectiva. "Conseguimos escrever um projeto, só que tinha um custo da assessoria. Todos nós bancamos e esses pais levaram o projeto para a secretária de educação da época, Maria Aparecida Perez." Quando visitou a Amorim, a secretária escutou, entendeu e aceitou fazer um projeto piloto na escola. "A gente não sabia muito bem como ia fazer, o que a gente sabia é que tinha como inspiração a Escola da Ponte. Estudamos o trabalho e fomos pensando como a partir dele", conta Ana, que já visitou a escola portuguesa. A única certeza, segundo a diretora, é que precisavam de professores polivalentes.


Roteiros de Vida


O projeto não começou na escola inteira. A assessoria queria começar só com a 1ª série do Ensino Fundamental, mas levariam oito anos para ter o projeto na escola toda. Os pais não aceitaram essa proposta. "Desde o primeiro ano, eu já analisava isso. Você não pode conviver muito tempo com duas escolas", justifica Ana, que acredita ter sido muito sábia a atitude dos pais. "Começamos com os primeiros e quintos anos porque quando as crianças entram na escola a maior parte não está alfabetizada. Foi importante ter estas duas pontas. Quando terminou 2004, já tínhamos mapeado a escola como um todo". Neste primeiro ano não houve tempo para mexer no currículo e foram respeitadas as possibilidades dos professores. Foi incorporado também o trabalho de cultura brasileira que já acontecia extra-aula. "Mas percebíamos que tudo que os professores preparavam era muito pouco para os alunos. Eles podiam muito mais".

Foi um professor, doutor em Lingüística, da Universidade de São Paulo estagiário na Amorim durante um ano, que observando o trabalho da escola, descobriu uma forma de viabilizar o conhecimento das crianças de forma melhor, usando como base todos os livros didáticos sem que houvesse a necessidade de um professor regendo as aulas. Geraldo Tadeu Silva criou os roteiros de pesquisa, usados hoje como base para o ensino da escola e que passam por todas as áreas do conhecimento. As crianças trabalham o tempo todo em grupos de cinco, em que cada aluno desenvolve o objetivo da área do conhecimento que vai trabalhar e tem as atividades de cada objetivo. A maior parte do tempo os alunos trabalham nesta dinâmica. Cada ano tem uma quantidade de roteiros. "Cada criança aqui tem o seu próprio ritmo, sua própria perspectiva de aprendizagem. O que é bacana é que tem um currículo que está posto hoje. A criança busca pelo roteiro onde estão as fontes das informações que vão satisfazer este objetivo. É maravilhoso", ressalta Ana.

A equipe escolar teve que ser otimizada para dar conta da nova dinâmica. Têm educadores que acompanham o trabalho de salão, têm os oficineiros e os tutores, responsáveis por acompanhar um grupo de 15 a 18 alunos durante a semana. Todos os educadores da escola são também tutores, inclusive a diretora. O compromisso da escola é com o conhecimento. Eles observam como estes alunos se organizaram no salão dentro do roteiro, como cada um colocou seus objetivos e os realizou, o que falta e o que não falta fazer e por que. Cabe ao tutor um trabalho pontual e importante. "Tem uma imagem para mim que é muito bonita: quando se tem uma planta pequena e se quer que ela cresça, você coloca um pauzinho do lado dela e amarra. Este pauzinho tem o nome de tutor", compara Ana.

A escola teve muitos casos de rejeição. E ainda hoje muitos alunos saem, mas muitos outros entram por causa do projeto. Para que ele se viabilize e sobreviva, a diretoria não acabou de uma hora para a outra com os antigos valores. No ano passado, foram implementadas oficinas de leitura e escrita e de matemática, por serem uma exigência muito grande da comunidade. "Não posso destruir, tenho que construir a partir de. O que é mais bacana deste projeto é que ele está sendo construído pelas pessoas que estão aqui e a comunidade vai dando um feedback", conta.

A coordenadora de educação do Butantã e Pinheiros, Sônia Regina Lima, destaca a experiência da Amorim como uma prática altamente solidária. "Já não é mais a minha sala, o meu aluno. Uma relação de compartilhar, de companheirismo, de solidariedade que vai além, porque implica no estabelecimento de outros vínculos, além dos tradicionais", justifica. Sônia também destaca o estímulo à descoberta. "Essa questão do desafio é um estímulo para a busca a que nós deveríamos ter sidos submetidos. Com certeza teríamos aprendido muito mais ao longo da nossa vida escolar". Ana concorda e destaca ainda o fato de os educadores da escola serem tão aprendizes quanto os alunos. "Fazemos o roteiro junto com as crianças e, como elas, acabamos sendo pesquisadores. O educador tem que ser alguém que pesquisa o tempo todo. Esse é o roteiro, é a abertura da possibilidade." Ana cita um exemplo de como as coisas funcionam. No semestre passado, foi trabalhado pela tutoria um roteiro chamado "pesquisador". As crianças aprenderam como pesquisar, como procurar em uma enciclopédia. Depois disso, o tutor permitiu que cada tutorando seu escolhesse um tema de pesquisa, um foco que interessava a criança. "O que nós estamos tentando fazer é buscar em cada estudante desta escola a possibilidade de aprender, que ele se encante com esta possibilidade, que veja que pode aprender e não aprende apenas o que o outro manda", justifica a diretora.

Ana Elisa rejeita a idéia de que a Amorim esteja tentando reproduzir o modelo da Escola da Ponte. "Estamos nos valendo desta maravilhosa experiência. Ela parte de pressupostos bastante generalizáveis que a gente pode se apoiar para pensar a nossa realidade, as nossas características e a nossa história. Temos um apoio, a partir dele a gente pode pensar o que tem e como usar isso." Um desafio porque coloca em cheque valores estabelecidos. Mas, segundo Ana, a Amorim Lima tem o que todas as demais escolas públicas municipais têm. Apenas seu projeto a diferencia. "Isso é uma coisa importantíssima para a gente avaliar o que acontece nas escolas", conclui. Para o jovem Natan e seus amigos este "apenas" faz toda a diferença.



Fonte: http://www.amorimlima.org.br/tiki-index.php
©2007 '' Por Elke di Barros