sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A Pedagogia Espirita por Dora Incontri

A Pedagogia Espírita e a Evangelização

Dora Incontri

A Pedagogia Espírita tem alguma proposta para a evangelização? Como aplicá-la na prática? O que é preciso fazer?


Se a Pedagogia espírita é a aplicação do espiritismo na educação, obviamente que deve ter uma proposta para a área da evangelização infantil. Estudemos aqui alguns pontos importantes a respeito do tema.
Em primeiro lugar, propomos mudar o nome de evangelização para educação espírita ou espiritismo para crianças. A CNBB (Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros) está atualmente com uma campanha de “evangelização da juventude”. Não por acaso, os espíritas usam o mesmo termo que os católicos. Já analisamos diversas vezes (essa era também a postura de Herculano Pires e até antropólogos não-espíritas hoje fazem essa avaliação) que o movimento espírita no Brasil traz uma herança católica muito forte, dado o nosso caldo cultural impregnado de tradições da Igreja e pela formação jesuítica da nossa educação.
Essa herança se manifesta com toda a força no conceito e na prática da evangelização, que tem um caráter de catecismo, de doutrinação. Ou seja, prevê-se uma determinado conteúdo que é preciso introjetar na criança, moldando-lhe a cabecinha.
Essa é a metodologia da educação tradicional – justamente a que a Pedagogia espírita combate: focada no conteúdo e não no educando, com métodos maçantes e passivos, onde há alguém, dono de um conhecimento, que vai transmitir conceitos prontos ao aluno, que fica passivo. Ou o que é pior, alguém que nem o conhecimento tem e vai transmitir conceitos de uma apostila. O que Paulo Freire chamava de educação bancária, em que o professor deposita dados na cabeça do aluno.
Basta ter entendido minimamente a proposta da Pedagogia espírita para observar que a evangelização que é feita na maioria dos centros espíritas, no Brasil afora, segue o modelo católico de catequese e o modelo tradicional de educação.
O resultado prático desse modelo é que as crianças vão à evangelização obrigadas e depois de terem passado por evangelização, pré-mocidade, mocidade espírita, ao chegarem na universidade, muitas vezes, deixam de ser espíritas. Não criaram convicção, não aprenderam a pensar por si mesmas, a discutir, a argumentar. Foram doutrinadas, contra a vontade e o espiritismo tornou-se uma crença postiça, e quando defrontada por doutrinas materialistas ou nihilistas, desmorona… Além disso, a obrigatoriedade de ir a um centro espírita assistir a uma evangelização desinteressante faz do espiritismo um remédio amargo que a criança tem de engolir quando nova, mas quando puder, vai rejeitar em bloco tudo o que vem desta fonte.
Temos viajado pelo Brasil inteiro, conversado com pais, evangelizadores e, sobretudo, com crianças e adolescentes, e este é o quadro real da situação.
Outro aspecto negativo do termo evangelização é que ele ressalta apenas o aspecto religioso do espiritismo – aliás exatamente o que aconteceu com o movimento espírita brasileiro. Esquecemos inteiramente dos aspectos científico e filosófico e, sobretudo, pedagógico, do espiritismo, para reduzi-lo a mais uma religião.

Evangelização de crianças carentes

A questão se torna ainda mais grave quando os espíritas, em bairros de periferia, entre crianças carentes, fazem um trabalho de evangelização imposta. O que é isso? Em troca de pão ou presentes para as crianças, ou de cesta básica ou sopa para a família, os “assistidos” têm de presenciar palestras espíritas, tomar passes ou participar da evangelização. Isso é pura barganha e falta de respeito à religião alheia. Então, um evangélico, um católico, um ateu, em necessidade material, precisa se submeter a participar de algo em que não acredita (ou até contesta) para ser beneficiado? O pobre não tem direito de ter a sua religião?
É exatamente o que os jesuítas faziam em relação aos indígenas. Sem qualquer respeito ou consideração por suas crenças, impunham o catolicismo. É o que missionários de todas as denominações evangélicas fazem ainda. Os católicos hoje, pelo menos os mais progressistas, reavaliam esta atitude, fazendo uma crítica histórica da postura anterior e os espíritas adotam um procedimento semelhante ao passado católico, completamente contrário aos postulados de Kardec, que defendia sobretudo a liberdade de crença e de pensamento.
Qualquer trabalho social deve ser ecumênico e trabalhar valores éticos universais, que estejam em todas as religiões e doutrinas. Deve haver cuidadoso respeito às crenças alheias. O espiritismo pode ser apresentado, se houver interesse, mas sempre ao lado de outras doutrinas, na forma de estudo de religiões e filosofias, em debates abertos e participativos, seja com adultos ou crianças.


A educação focada no educando

Um dos aspectos principais da Pedagogia espírita (e não só desta Pedagogia, mas de seus precursores, Comenius, Rousseau, Pestalozzi e de suas pedagogias irmãs, como Montessori, Paulo Freire, construtivismo etc.) é a mudança de foco do conteúdo para o educando. O importante não é um conteúdo a ser passado, mas as potencialidades a serem desenvolvidas no educando. O conteúdo é um meio, não uma finalidade. A finalidade é sempre o ser humano, sua auto-construção, o despertar de sua consciência.
Para que o conteúdo seja um meio eficaz para despertar algo no indivíduo, é preciso que ele faça sentido para o educando, que lhe diga algo. Para isto, é preciso que responda a alguma questão sua, mexa com seus anseios, com as heranças do seu passado espiritual, parta de seus interesses e fale a sua linguagem. Ou seja, o conteúdo não pode ser previamente determinado para qualquer grupo, muito menos em currículos nacionais, em apostilas que devam ser seguidas como manuais.
Primeiro, devemos conhecer os educandos. Quem são eles? Que Espíritos que estão diante do educador? Que tendências trazem? Que interesse têm? Como despertar neles um elan de aprendizagem, uma busca por espiritualidade ou cultivar o que já apresentam neste sentido? O educador deve ser antes de tudo um observador atento dos alunos. Para isso, é preciso lucidez, sensibilidade, conhecimento do ser humano e, sobretudo, amor – que é a porta de abertura para o outro.
Então, poderemos fazer projetos de pesquisa, debates, estudos individuais e coletivos, encenações, produções artísticas, a partir de temas e questões propostas pelas crianças ou pelo educador, mas que os alunos aceitem e gostem e se interessem. O que é imposto não se engole. Portanto, cada educador, cada centro, cada local poderá fazer seu próprio plano de trabalho – com a ajuda e a participação das crianças.
Estaremos assim enxergando e respeitando o educando como um ser reencarnado, que já traz seus interesses, suas contribuições e não estaremos tratando a criança de forma paternalista e autoritária.
Livros, filmes, internet, poemas, peças de teatro, músicas, pinturas, tudo deve ser disponibilizado para educadores e educandos, como meios de pesquisa, produção, debate e aprendizado. E os educandos, por sua vez, também devem produzir, fazer, mostrar suas potencialidades através da ação.
Naturalmente, o argumento que se usa em toda a parte, como negação de uma metodologia mais livre, baseada no interesse da criança e na sua participação, é a falta de preparo dos evangelizadores. Ocorre que realmente um educador não se improvisa. Devemos preparar pessoas seguras e capacitadas para fazer isso. Caso contrário, estaremos trabalhando contra o próprio espiritismo, entregando as novas gerações a pessoas apenas de boa vontade, mas que não têm a mínima noção do que é educação, de como lidar com uma criança. Na cabeça dos educandos, o espiritismo ficará associado à incompetência dos evangelizadores (não dizemos educadores, porque o educador sabe o que faz). E assim como se criaram gerações inteiras revoltadas contra o Catolicismo, por causa da catequese e dos colégios católicos, formaremos gerações que repelem o espiritismo como algo dogmático.

Formação de grupos de estudos

Por esses motivos, temos incentivado no Brasil inteiro a formação de grupos de estudos da Pedagogia Espírita. Devem ser grupos livres, que podem reunir pessoas de diferentes instituições e até não espíritas, que podem ocorrer num centro espírita que ceda seu espaço ou podem ser feitos de forma itinerante (cada vez num centro) ou podem se dar na casa de alguém…
O importante é que esse grupo funcione dentro dos princípios da Pedagogia Espírita: sem hierarquias, com dinamismo, participação de todos, pesquisa, debates, leituras e a discussão de propostas práticas.
Esses grupos poderão produzir artigos, textos, material de aplicação prática, que sejam socializados com outros grupos no Brasil.

As crianças e a mediunidade

A fonte mais forte de convicção espírita é justamente a mediunidade. Porque sabemos (e não cremos) que somos imortais? Porque experimentamos o contato com o mundo espiritual, numa vivência individual e coletiva importante. Ora, cada vez mais os espíritas se vêem afastados da mediunidade, porque estão se criando verdadeiros tabus em relação à vivência mediúnica. Crianças, adolescentes e jovens jamais vêem reuniões mediúnicas. Para ser médium, a pessoa tem de fazer no mínimo 10 anos de curso. Ou seja, estamos tornando a mediunidade algo iniciático, bem ao contrário do que propunha Kardec, que a considerava algo natural, fazendo parte do cotidiano e podendo ser praticada por qualquer pessoa ou grupo, com o estudo atento, mas livre, de O Livro dos Médiuns.
O exílio da criança e do adolescente da mediunidade cria o mistério, o medo e, sobretudo, impede a convicção da imortalidade.
Segundo Kardec, a mediunidade deve ser estudada seriamente, praticada com finalidades úteis e éticas, mas é fenômeno natural. Crianças têm mediunidade espontânea e é claro – é uma questão de bom senso – que não vamos colocar crianças numa mesa mediúnica para receber obsessores, mas elas podem ver sim, se devidamente preparadas. E já os adolescentes, se maduros, vocacionados e estudiosos do espiritismo – como vemos muitos pelo Brasil Inteiro – poderão já trabalhar mediunicamente, como Ermance Dufaux, que iniciou aos 12 e aos 17 já era uma das colaboradoras principais de Kardec ou como as meninas Boudin, que receberam a maior parte de O Livro dos Espíritos, aos 14 e 16 anos.
A mediunidade surge, estoura, e então deve ser trabalhada, educada. Mas não se pode freá-la, sob pena de causar grande perturbação no médium.
A criança de família espírita deve ser aproximada suavemente, naturalmente, do fenômeno mediúnico, com todas as explicações e contextualização, para que ela cresça sabendo que o intercâmbio entre os dois mundos é algo corriqueiro e normal, sem terrores e mistérios.



BOX

Veja os objetivos que a educação espírita para crianças e adolescentes deve ter no centro espírita:
• Despertar o espírito crítico e a capacidade de pensar por si mesmo (para isso é preciso conhecer o espiritismo e outras religiões e doutrinas, pesquisando e debatendo);
• Sensibilizar esteticamente para harmonizar a alma e tocar o coração (para isso, é preciso usar todas as artes – a música, as artes plásticas, o teatro, a poesia, o cinema etc.);
• Formar a convicção da imortalidade (para isso, é preciso conhecer, estudar e ter contato com o fenômeno mediúnico);
• Despertar valores morais, formando o homem de bem (isso só se faz pelo contágio de bons exemplos – vivos ou de grandes personalidades, mas sobretudo pela prática, por isso a criança e o adolescente devem fazer parte das atividades solidárias do centro).


Para saber mais:
Entre no site da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita
www.pedagogiaespirita.org.br
Lá você também encontrará uma bibliografia básica para o estudo da Pedagogia Espírita.

Nenhum comentário:

©2007 '' Por Elke di Barros